terça-feira, 24 de setembro de 2013

Algumas palavras sobre a cultura em Rio Maior


Por Paulo Louro*
 
Recordo-me de, desde novo, ser bastante influenciado por os aspetos menos imediatos das coisas, lembro-me das tardes de verão em casa dos meus avós a escutar discos porque estava muito calor para ir brincar na rua e lembro-me da minha avó paterna nos cantar (a mim e ao meu irmão) músicas tradicionais, das que se cantavam nas lavouras dos campos.

Lembro-me de, ao fim de semana, me interessar pelos suplementos de cultura dos jornais que o meu pai comprava e que eu passei a comprar desde então (ainda tendo um montão de revistas e jornais guardados no sótão da minha casa, provavelmente em muito mau estado de conservação). Mas desde essa altura lembro-me de ficar fascinado com as grandes personagens da cultura nacional e internacional, devorando tudo o que era críticas de discos, livros e filmes e entrevistas dos mais diversos intervenientes na esfera cultural/social da nossa realidade.

A minha juventude foi, como ainda é em alguns casos, grandemente influenciada pela música. No meu grupo de amigos existiam bandas, a malta mais velha tinha bandas, existiam algumas associações em Rio Maior (a Atrium e a ACJ, se bem me lembro) que promoviam realizações culturais e os bares, nomeadamente a Fonte Velha (em conjunto ou não com as associações existentes), tinham uma programação interessante e, acima de tudo, desafiadora. A minha curiosidade levava-me a tentar ver tudo o que se realizasse, conhecendo ou não, sempre com um grande respeito e reverência por aquela malta e pelas coisas que faziam, porque, na realidade, sem eles o mundo era um pouco mais quadrado. Numa terra como Rio Maior, sem as comunicações de hoje, assistir aos concertos a que se assistiam era uma mostra de que, por cá, havia mentes mais progressistas do que o que seria de esperar. Bandas como os Great Lesbian Show e os Tédio Boys não deixavam ninguém indiferente.

Ao contrário do que se passa atualmente, nesta altura, um evento nos moldes do Hard Rock Café (que envolvia três noites de concertos em três bares da cidade) mexia com toda a gente e os sítios ficavam à pinha para ver os concertos. Já chegaremos aos nossos dias, mas avançando a coisa a um ritmo mais rápido, com o aparecimento da Antena 3 e a divulgação cada vez maior do que se fazia de bom nas franjas musicais nacionais e internacionais, o meu gosto musical e necessidade da descoberta de novas coisas foi-se aguçando e a descoberta de novas coisas foi pondo tudo em perspetiva, ajudando a separar o trigo do joio e a aproveitar o que realmente interessa.

Após um exasperante início dos anos 00’s, em que a música ao vivo em Rio Maior teve um decréscimo significativo na aposta de novos valores, um grupo de tipos que estavam a beber uns copos num bar da nossa cidade, fartos do mesmo “não se passa aqui” e fartos de vir à sexta de Lisboa para voltar ao sábado para ir ver um concerto ou de ir até Leiria ou Coimbra, decidiram começar a organizar concertos, mesmo sem terem ligações nenhumas ao meio, nem serem “artistas” nem saberem tocar um instrumento, só porque sentiam que havia essa necessidade em Rio Maior e que era uma coisa importante de se fazer e que, estando em Rio Maior, não havia motivos nenhuns para não o fazermos. Existiam excelentes bandas em Portugal que precisavam de rodar e existia malta nova em Rio Maior, o resto haveria de se arranjar. E arranjou-se e, em quase sete anos, tentámos realizar dez concertos por ano, um em cada mês. Fizemo-lo com a periocidade que conseguimos, uns anos melhor outros pior, trouxemos muita música de qualidade, nacional e internacional, colaborámos com a Câmara Municipal na realização das jornadas da juventude e noutros eventos sempre que solicitado e colaborámos e tivemos o apoio de muita entidade privada, demasiados para referir, mas todos devidamente agradecidos. Tentámos ainda valorizar de uma forma construtiva as bandas de Rio Maior, tentando mostrar a necessidade que tinham de evoluir antes de se exporem ao “grande público” e, passados estes anos, acho que estão todos a ir no bom caminho.

Neste fim-de-semana vamos inaugurar um novo espaço, vamos ter uma exposição, um concerto e uma pessoa estabelecida em Rio Maior a vender discos. Vamos fazer a nossa atividade no antigo pavilhão dos bombeiros, um local que estava sem utilização e no qual investimos para colocar o mais agradável possível para todos. Por mim esta atividade já valeu a pena só pelo empenho que os meus restantes colegas e amigos andam a colocar nesta realização, estando já a trabalhar para o mesmo há coisa de três semanas. Os mesmos “cromos” de há sete anos, os mesmo que não têm ligação nenhuma com as artes sem ser o facto de que continuam a achar que é importante mostrar mais coisas do que as que vão acontecendo por Rio Maior e os mesmo que acham que a diversidade e o respeito pela diferença é uma coisa linda e que acham que mais vale andar a perder o seu tempo a colar cartazes, carregar com material, arcas frigoríficas e bebidas e que no final têm de limpar tudo e recolher cartazes, para muitas vezes perderem dinheiro dos seus bolsos, para trazer artistas de fora da nossa terra para mostrarem o seu valor, para ver se todos nós, como pessoas e em sociedade, evoluímos um pouco.

Ora, isto já vai longo, e bem sei que me dediquei apenas a um nicho, arte e cultura são muito mais do que isso, e há muita malta de valor em Rio Maior, assim de repente lembro-me do Vasco Duarte e do excelente trabalho que faz, entre outros, mas não poderia falar muito mais do que a minha experiência, porque não sou grande entendido no resto.

No fundo, isto tudo resume-se facilmente a: há tanto por ver e conhecer que é inútil passarmos a vida a dar palmadinhas nas costas uns dos outros a pensar que somos os maiores do nosso pequeno pedestal; para nós, cada temporada parece sempre a primeira, cada novo artista que surge é uma possibilidade de nos mostrar algo de maravilhoso, cada atividade é algo irrepetível; o entendimento do mundo obriga-nos a estar atentos e a estar abertos a diferentes realidades, não podemos estar reféns de um entendimento da realidade, a vida e o mundo são muito mais e melhor do que isso; técnicas e estéticas são subjetivas, o importante é a comunicação, a vontade e o que se põe no que se faz; e, no final, a possibilidade de nos maravilharmos é uma coisa linda.

Tudo isto resulta em movimentações culturais, as pessoas juntam-se para assistir às atividades, falam sobre esses assuntos, assimilam essas realidades e diferenças e no final esperamos que saiam delas valorizadas e mais conscientes da necessidade que é o usufruto do resultado do trabalho dos criadores e da mais-valia que traz na construção de uma sociedade mais plena.

Termino com um excerto do livro Black Music do escritor, poeta, ensaísta e jornalista Leroi Jones ou Amiri Baraka, como é agora conhecido, retirada de uma crítica sua escrita em 1964 relativa ao álbum ao vivo do John Coltrane Coltrane Live at Birdland. Embora eu não seja um conhecedor de Jazz, para além do que li no seu livro Black Music, a crónica é explícita ao ponto de parecer que estamos lá no Birdland a assistir ao Coltrane e companhia a fazer história. Num momento da crítica, Amiri Baraka escreve sobre a excepcionalidade do Coltrane nos concertos no Birdland: “[…] se vamos ali e nos conseguimos sentar, como eu consegui durante esta temporada, e ficar, se é um mestre que estamos a ouvir, certamente nos iremos sentir muito além da pequenez e estupidez dos nossos belos inimigos. John Coltrane consegue fazer isto por nós. Fê-lo a mim muitas vezes, e a sua música é uma das razões pelas quais o suicídio parece tão aborrecido".

Pronto, é isto, na música, no teatro, no cinema, na escrita, nas performances, na dança, nas artes plásticas e em tudo. Elevação.

* Economista, dirigente associativo e activista cultural. É um dos primeiros candidatos à Assembleia Municipal de Rio Maior, na lista do Movimento Projecto de Cidadania, com o apoio do Bloco de Esquerda

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