segunda-feira, 23 de abril de 2012

Miguel Portas


Por Carla Rodrigues


A morte costuma trazer com ela um chorrilho de boas palavras e frases deliciosas acerca de quem morreu. Na morte costumam-se esquecer as divergências e olhar só para o lado bonito das pessoas, enchendo páginas de palavras eloquentes, elogios e agradecimentos a quem já não vive.

É, acredito uma forma de prestar homenagem a quem já não se encontra entre nós. Por vezes honesta, outras apenas as palavras que se sabe serem esperadas.

Conheci pouco o Miguel Portas. Fica-me a imensa pena de não ter conhecido melhor. Porque me pareceu honesto e sincero nas suas opiniões. Porque me pareceu capaz de ouvir e discutir opiniões, abertamente, ainda que dele se discordasse, ainda que se estivesse em campos opostos.

Encontramo-nos algumas vezes, a primeira há já alguns anos, em 2004, quando o Grupo de Cidadãos Riomaiorenses organizava uns debates, em que as intervenções eram sempre animadas pelo prazer de se poder partilhar com quem aparecia um pouco das suas ideias. Veio debater a Europa, como quem vem para aprender.

Deslocou-se depois a Rio Maior, para dar o seu apoio a um grupo de independentes inexperientes, por ocasião da apresentação da lista do Projecto de Cidadania apoiado pelo Bloco de Esquerda e que pela primeira vez concorria às autárquicas em Rio Maior.
 
Voltou de novo durante a campanha para as legislativas, ao então Bar Nova Fonte Velha, para debater as temáticas, então na ordem do dia, a uma festa que dava pelo nome de Festa da Malta Inconformada ou FMI. Discutir era preciso, numa altura em que a Troika começava a entrar-nos pela casa dentro, e o seu espírito inconformista e questionador ansiava por recolher as ideias e opiniões de quem por ela seria afectado.

Como alguém que não estava agarrado ao poder, ao lugar e que era capaz de iniciar outro caminho, depois das eleições de junho de 2011, calmamente anunciou a sua saída, por escrito, da comissão política do partido, defendendo, "os velhos devem ter cuidado de não querer titular um processo de geração". Viveu a sua vida, ativista até ao fim, na defesa dos interesses de um povo que fica mais pobre com a sua partida, dizendo de si mesmo ” "Sou de esquerda porque a minha mãe me proibia de deixar comida no prato, porque tinha de dar aos pobres a melhor prenda que recebia no Natal. Fui habituado à renúncia. E também sou de esquerda porque fui sempre um filho difícil, habituado a dizer não. O meu processo de afirmação foi contra".

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