Por Carla Rodrigues
A morte costuma trazer
com ela um chorrilho de boas palavras e frases deliciosas acerca de
quem morreu. Na morte costumam-se esquecer as divergências e olhar
só para o lado bonito das pessoas, enchendo páginas de palavras
eloquentes, elogios e agradecimentos a quem já não vive.
É, acredito uma forma de
prestar homenagem a quem já não se encontra entre nós. Por vezes
honesta, outras apenas as palavras que se sabe serem esperadas.
Conheci pouco o Miguel
Portas. Fica-me a imensa pena de não ter conhecido melhor. Porque
me pareceu honesto e sincero nas suas opiniões. Porque me pareceu
capaz de ouvir e discutir opiniões, abertamente, ainda que dele se
discordasse, ainda que se estivesse em campos opostos.
Encontramo-nos algumas
vezes, a primeira há já alguns anos, em 2004, quando o Grupo de
Cidadãos Riomaiorenses organizava uns debates, em que as intervenções eram sempre animadas pelo
prazer de se poder partilhar com quem aparecia um pouco das suas
ideias. Veio debater a Europa, como quem vem para aprender.
Deslocou-se depois a Rio
Maior, para dar o seu apoio a um grupo de independentes
inexperientes, por ocasião da apresentação da lista do Projecto
de Cidadania apoiado pelo Bloco de Esquerda e que pela primeira vez
concorria às autárquicas em Rio Maior.
Voltou de novo durante a
campanha para as legislativas, ao então Bar Nova Fonte Velha, para
debater as temáticas, então na ordem do dia, a uma festa que dava
pelo nome de Festa da Malta Inconformada ou FMI. Discutir era
preciso, numa altura em que a Troika começava a entrar-nos pela casa
dentro, e o seu espírito inconformista e questionador ansiava por
recolher as ideias e opiniões de quem por ela seria afectado.
Como alguém que não
estava agarrado ao poder, ao lugar e que era capaz de iniciar outro
caminho, depois das eleições de junho de 2011, calmamente anunciou
a sua saída, por escrito, da comissão política do partido,
defendendo, "os velhos devem ter cuidado de não querer titular
um processo de geração". Viveu a sua vida, ativista até ao
fim, na defesa dos interesses de um povo que fica mais pobre com a
sua partida, dizendo de si mesmo ” "Sou
de esquerda porque a minha mãe me proibia de deixar comida no prato,
porque tinha de dar aos pobres a melhor prenda que recebia no Natal.
Fui habituado à renúncia. E também sou de esquerda porque fui
sempre um filho difícil, habituado a dizer não. O meu processo de
afirmação foi contra".
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