terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O Evangelho do desenvolvimento local segundo Mateus

Por Carlos Carujo

O Jornal Região de Rio Maior, noticia, na sua última edição, a sessão pública de debate promovida pela empresa de Augusto Mateus a quem foi encomendado um Plano Estratégico para Rio Maior que é apresentado como válido “para os próximos vinte e cinco a trinta anos”. Dessa notícia sublinhem-se, em primeiro lugar, algumas interessantes sínteses sectoriais sobre a economia do concelho feitas por cidadãos riomaiorenses.
Sublinhe-se em contraste (impressão tirada das notícias lidas) da opinião de Augusto Mateus sobre o concelho: “Rio Maior não precisa de inventar nada. Não é tanto discutir “o quê” mas o “como fazer”.” Ou seja, o responsável pelo estudo parece não adiantar nada para além do senso comum recomendando que “Rio Maior não ponha em causa a sua vocação produtiva e que faça dela uma alavanca de progresso, de uma forma moderna, que possa ter sucesso” e que “a vocação industrial e agrícola de Rio Maior é inquestionável” acrescentando ainda que “um plano estratégico não se faz com ideias gerais, faz-se com pessoas concretas, com empresas concretas e com concelhos concretos. A nossa função aqui é trazer um conjunto de exemplos e de chamadas de atenção para que continuando a pensar com os vossos olhos (…) possam de alguma maneira levar em consideração soluções, caminhos e trajectórias que outros parecidos fizeram”. Portanto, o Evangelho de Mateus para o desenvolvimento de Rio Maior não promete grandes novidades, apenas reciclagem do que já propôs noutros lados. Mas se se ficar por conclusões tão óbvias será que justifica o preço que está a cobrar pelo seu estudo?

Mateus o social-liberalismo e a indústria dos planos e estudos

Continuando sem saber que critérios levaram a que fosse encomendado este estudo à empresa de Mateus, vamos ao encontro da personagem que o coordena para percebermos o seu enquadramento. Apresentemos, pois, Augusto Mateus aos mais distraídos. Ex-militante da esquerda à esquerda do PS, no MES, Augusto Mateus foi Secretário de Estado e Ministro do governo de António Guterres. É professor de Economia e investigador no ISEG. É um dos opinion makers e comentadores mediáticos habituais repetindo os chavões dos economistas liberais: é preciso aumentar a competitividade, vivemos acima das nossas possibilidades, o investimento público não serve para sair da crise e o FMI virá finalmente redimir-nos dos pecados do Estado gastador.
Para além da sua actividade académica e mediática, Augusto Mateus tem uma empresa especializada em consultoria. E esta empresa encontrou nos estudos para o Estado central e para os órgãos de poder local um nicho importante de mercado. Aliás, é de Mateus um estudo recente destinado a defender que o Serviço Nacional de Saúde devia ser (mais) pago pelos utentes.
Em Rio Maior, talvez seja mais conhecido pelo facto de, tendo sido o responsável pelo estudo sobre o aeroporto na Ota, ter apunhalado nas costas a solução do aeroporto a norte de Lisboa, afirmando que afinal a solução Alcochete era melhor, sendo agora outra vez responsável  pelo estudo sobre o aeroporto na nova localização (ler por exemplo aqui, aqui ou aqui). Sendo assim é, em certa medida irónico, que se tenha encomendado um estudo sobre o desenvolvimento de Rio Maior a um dos responsáveis pela alteração da localização do aeroporto para longe de Rio Maior. Isto quando a perspectiva da construção do aeroporto era, recorde-se, apresentada como a grande esperança do desenvolvimento local por muitos dos responsáveis políticos locais. Para estes, ou a memória é curta ou a capacidade de perdoar é bíblica.

Planos Estratégicos em série?

Com tal perfil, teme-se portanto que o “Plano” seja enviesado ideologicamente pela perspectiva de Augusto Mateus. Mas, mesmo que escape às afirmações vagas sobre o desenvolvimento local e a competitividade e também às teimas ideológicas de quem o promete, é preciso reafirmar algumas coisas: se é para determinar a vida dos cidadãos para tanto tempo, então o Plano deveria partir da sua participação através de um processo participativo alargado de Agenda 21 Local. Num processo deste tipo, a questão técnica não é desvalorizada mas é considerada como uma parte de um processo mais alargado em que os cidadãos ajudam a construir o seu futuro. E, mesmo do ponto de vista técnico, é altamente discutível a escolha de uma empresa globe trotter ou papa-contratos que toma este estudo apenas como mais um, não estando enraizada localmente. Se é necessário mobilizar saberes e competências para melhorar a vida em comum no concelho porque não começar pelos locais ou regionais? Por exemplo, o Instituto Politécnico de Santarém não teria capacidade para fazer um estudo preliminar e pluridisciplinar sobre possibilidades de desenvolvimento local do concelho que se integrasse num processo participativo de discussão? Talvez seja uma moda que atravessou vários concelhos, isto de encomendar estudos e planos a Augusto Mateus. Mas o seguidismo nunca foi boa política. E é sério o risco de se ficar com um Plano que faz uma caracterização do território e remata com uma colecção de chavões que em nada ajude a orientar as políticas públicas. Porque, em muitos concelhos, tem sido este o destino dos Planos Estratégicos do credo Mateus, da era de planeamento em linha de montagem: a gaveta e o esquecimento. 

1 comentário:

  1. Também aqui fica demonstrado como os interesses instalados/institucionalizados se vão apoderando da riqueza produzida.
    Quando um executivo, neste caso camarário, que foi eleito para gerir os dinheiros públicos, ao serviço dos seus municipes, o esbanja em contratos com empresas, para estas fazerem aquilo para que foram eleitos.
    Não é admissivel: para a elaboração de uns simples estatutos; a reestruturação dos serviços camarários; elaborar um plano de desenvolvimento do concelho, contratam umas empresas.
    É tempo de as cidadãs e dos cidadãos dizerem basta, "quem não se dá ao respeito não merece ser respeitado".

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