domingo, 26 de maio de 2013

A escola como polo de consumo

Por Daniel Carvalho

Torna-se difícil, se não utópico, imaginar a escola como um espaço dedicado somente ao ensino, à aprendizagem e à partilha de conhecimentos. Não denuncio os complexos escolares portugueses pela sua dedicação a outro tipo de projectos que não os do ensino 'tradicional' em primeiro plano, mas não consigo deixar de reparar na rápida e, para alguns, pouco tolerável transformação dentro da metodologia escolar.

Refiro-me, então, à fácil, e cada vez mais vulgar, intromissão de jovens adultos de ar saudável e chamativo, à porta e dentro da escola, com t-shirts da empresa que os sustenta, ou do partido que os lança na aventura (no caso das juventudes partidárias), a distribuir cartões de telemóvel, panfletos, canetas e outras bugigangas para promoção do seu produto ou pela obtenção de um voto - agrupa-se aqui também o caso das eleições para a Associação dos Estudantes da qual me manifestarei mais tarde. Num espaço cultural, educativo e de formação, esta pesca ao bolso dos encarregados de educação destes pré-adolescentes, que na maior parte das vezes desconhece o destino do seu dinheiro, desabrocha aqui o estrito interesse pela venda dos seus serviços a um alvo fácil, capitalizando os alunos, e não manifestando o menor interesse pela educação, pelo combate à iliteracia ou pela divulgação cultural, por exemplo.

Diluídos no meio de pré-adolescentes num quase motim de alegria, de professores desconfiados do cenário e de contínuas e funcionárias que continuam o seu trabalho sem perder tempo com esse alarido desnecessário, estes jovens adultos, como lhes chamei, registam uma atitude populista e relaxada chegando aos mais distantes e vendendo o seu peixe numa verdadeira pedocracia. Esta exposição, literalmente colossal, de grandes marcas influencia psicologicamente os alunos a procurar consumir os seus produtos, e, consequentemente a divulgá-los imediatamente, trata-se de um ciclo vicioso que satisfaz a miudagem e que dispensa a pergunta 'porque é que compro este produto se, de facto, não me é necessário para viver?'; no final de contas, o dinheiro aparece todos os dias, não há-de ser amanhã que vai faltar... Mas, enfim, este é apenas o ponto de partida para o estilo de vida caprichoso a que a vertente consumista do capitalismo moderno nos tem habituado.

Na verdade este assunto já vem muito de trás: é favor não esquecer a venda dos computadores portáteis nas escolas, as viagens de finalistas altamente patrocinadas e, principalmente, as eleições para a associação de estudantes.

Para chamar literalmente a atenção dos alunos, algumas das listas a concorrer para a AE, durante o primeiro período de todos os anos lectivos, poluem sonoramente toda a escola com alarido quase esquizofrénico, com música que passa todas as paredes da escola - esquecendo que existem alunos, professores e funcionários que (realmente) trabalham e estudam - grandes concursos e jogos, faixas de alguns metros penduradas com nomes, slogans baratos e imagens de marcas com produtos que capitalizam e 'ajudam' estas listas a ganhar, e, por fim, a criação aleatória de cargos hierárquicos dentro das listas dividida em sectores, de maneira a inserir o resto dos amigos na elite.

Enfim, é surpreendente ver uma massa tão jovem, que ainda nem sonha com o elixir da eterna juventude, e já tanto suplica até à última migalha por uma cruz no boletim de voto. Ao ganhar este núcleo que 'representa todos os alunos da escola', os membros da AE, durante o resto do ano, focam outros aspectos como as festas ou a viagem de finalistas, desviando-se dos demais assuntos de interesse comum, já para não falar das falsas promessas aquando das eleições. Se compararmos uma AE destas ao actual governo, podemos dizer que estão a gerir muito mal o seu país... É um reflexo da lenda eleitoral que Portugal vive na sua sazonalidade legislativa onde os governantes prometem tanto e cumprem tão pouco.

Desviado do assunto principal do corpo de texto, o exemplo da AE, da promoção de produtos de telecomunicações e de juventudes partidárias, explica uma das desnecessidades cíclicas que as escolas evocam, seguidas do patrocínio e venda abusiva aos alunos. Por toda a escola são colados cartazes desta génese consumista e nem o jornal regional é disponibilizado na biblioteca escolar (?!), se adquirir o jornal regional neste espaço da escola é um assunto com algumas barreiras a ultrapassar, era pertinente uma justificação aos alunos que desejam ler as notícias da sua zona, acho que há esse direito. Ainda há alunos que acompanham e realmente usam a escola para ler, estudar e questionar, o que é cada vez mais raro pelos vistos.

Finalizando, questiono-vos: Estará o lado humanitário desta comercialização vendada pelo dinheiro? E será necessário invadir o espaço comum das escolas durante os intervalos com aquele ar de quem vai pronto para a grande 'caça'? Como se sentiriam estas empresas se lhes fizessem o mesmo, invadindo a paz do seu sossegado escritório durante uma reunião importante? É o verdadeiro papel das escolas que ponho aqui em causa: serão um centro de formação, aprendizagem, e partilha de cultura e conhecimentos, ou um mero espaço de oportunismo barato por via do mercado de menores, esquecendo assim os seus princípios?

"Não ensinem as vossas crianças apenas a ler, ensinem-lhes a questionar o que leram, ensinem-lhes a questionar tudo." George Carlin

* (publicado em A Comuna)

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