Por Daniel Carvalho
Torna-se difícil, se não utópico, imaginar a escola como um espaço dedicado somente ao ensino, à aprendizagem e à partilha de conhecimentos. Não denuncio os complexos escolares portugueses pela sua dedicação a outro tipo de projectos que não os do ensino 'tradicional' em primeiro plano, mas não consigo deixar de reparar na rápida e, para alguns, pouco tolerável transformação dentro da metodologia escolar.
Torna-se difícil, se não utópico, imaginar a escola como um espaço dedicado somente ao ensino, à aprendizagem e à partilha de conhecimentos. Não denuncio os complexos escolares portugueses pela sua dedicação a outro tipo de projectos que não os do ensino 'tradicional' em primeiro plano, mas não consigo deixar de reparar na rápida e, para alguns, pouco tolerável transformação dentro da metodologia escolar.
Refiro-me, então, à fácil, e cada vez mais vulgar, intromissão de
jovens adultos de ar saudável e chamativo, à porta e dentro da escola,
com t-shirts da empresa que os sustenta, ou do partido que os lança na
aventura (no caso das juventudes partidárias), a distribuir cartões de
telemóvel, panfletos, canetas e outras bugigangas para promoção do seu
produto ou pela obtenção de um voto - agrupa-se aqui também o caso das
eleições para a Associação dos Estudantes da qual me manifestarei mais
tarde. Num espaço cultural, educativo e de formação, esta pesca ao bolso
dos encarregados de educação destes pré-adolescentes, que na maior
parte das vezes desconhece o destino do seu dinheiro, desabrocha aqui o
estrito interesse pela venda dos seus serviços a um alvo fácil,
capitalizando os alunos, e não manifestando o menor interesse pela
educação, pelo combate à iliteracia ou pela divulgação cultural, por
exemplo.
Diluídos no meio de pré-adolescentes num quase motim de alegria, de
professores desconfiados do cenário e de contínuas e funcionárias que
continuam o seu trabalho sem perder tempo com esse alarido
desnecessário, estes jovens adultos, como lhes chamei, registam uma
atitude populista e relaxada chegando aos mais distantes e vendendo o
seu peixe numa verdadeira pedocracia. Esta exposição, literalmente
colossal, de grandes marcas influencia psicologicamente os alunos
a procurar consumir os seus produtos, e, consequentemente a divulgá-los
imediatamente, trata-se de um ciclo vicioso que satisfaz a miudagem e
que dispensa a pergunta 'porque é que compro este produto se, de facto,
não me é necessário para viver?'; no final de contas, o dinheiro aparece
todos os dias, não há-de ser amanhã que vai faltar... Mas, enfim, este é
apenas o ponto de partida para o estilo de vida caprichoso a que a
vertente consumista do capitalismo moderno nos tem habituado.
Na verdade este assunto já vem muito de trás: é favor não esquecer a
venda dos computadores portáteis nas escolas, as viagens de finalistas
altamente patrocinadas e, principalmente, as eleições para a associação
de estudantes.
Para chamar literalmente a atenção dos alunos, algumas das listas a
concorrer para a AE, durante o primeiro período de todos os anos
lectivos, poluem sonoramente toda a escola com alarido quase
esquizofrénico, com música que passa todas as paredes da escola -
esquecendo que existem alunos, professores e funcionários que
(realmente) trabalham e estudam - grandes concursos e jogos, faixas de
alguns metros penduradas com nomes, slogans baratos e imagens de marcas
com produtos que capitalizam e 'ajudam' estas listas a ganhar, e, por
fim, a criação aleatória de cargos hierárquicos dentro das
listas dividida em sectores, de maneira a inserir o resto dos amigos na
elite.
Enfim, é surpreendente ver uma massa tão jovem, que ainda nem sonha
com o elixir da eterna juventude, e já tanto suplica até à última
migalha por uma cruz no boletim de voto. Ao ganhar este núcleo que
'representa todos os alunos da escola', os membros da AE, durante o
resto do ano, focam outros aspectos como as festas ou a viagem de
finalistas, desviando-se dos demais assuntos de interesse comum, já para
não falar das falsas promessas aquando das eleições. Se compararmos uma
AE destas ao actual governo, podemos dizer que estão a gerir muito mal o
seu país... É um reflexo da lenda eleitoral que Portugal vive na sua
sazonalidade legislativa onde os governantes prometem tanto e cumprem
tão pouco.
Desviado do assunto principal do corpo de texto, o exemplo da AE, da
promoção de produtos de telecomunicações e de juventudes partidárias,
explica uma das desnecessidades cíclicas que as escolas evocam, seguidas
do patrocínio e venda abusiva aos alunos. Por toda a escola são colados
cartazes desta génese consumista e nem o jornal regional é
disponibilizado na biblioteca escolar (?!), se adquirir o jornal
regional neste espaço da escola é um assunto com algumas barreiras a
ultrapassar, era pertinente uma justificação aos alunos que desejam ler
as notícias da sua zona, acho que há esse direito. Ainda há alunos que
acompanham e realmente usam a escola para ler, estudar e questionar, o
que é cada vez mais raro pelos vistos.
Finalizando, questiono-vos: Estará o lado humanitário desta
comercialização vendada pelo dinheiro? E será necessário invadir o
espaço comum das escolas durante os intervalos com aquele ar de quem vai
pronto para a grande 'caça'? Como se sentiriam estas empresas se lhes
fizessem o mesmo, invadindo a paz do seu sossegado escritório durante
uma reunião importante? É o verdadeiro papel das escolas que ponho aqui
em causa: serão um centro de formação, aprendizagem, e partilha de
cultura e conhecimentos, ou um mero espaço de oportunismo barato por via
do mercado de menores, esquecendo assim os seus princípios?
"Não ensinem as vossas crianças apenas a ler, ensinem-lhes a
questionar o que leram, ensinem-lhes a questionar tudo." George Carlin
* (publicado em A Comuna)
* (publicado em A Comuna)
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