domingo, 27 de fevereiro de 2011

A palavra de Ruy Belo

Por António Costa

É um pensamento persistente, este de não deixar "calar, amordaçar, reduzir," a memória, a vida e a obra de um concidadão que apenas conheço pelo seu legado, em letra de forma.

Não pretendo, antes pelo contrário, engrossar o número daqueles que o próprio poeta menciona (em Breve Programa para Uma Iniciação ao Canto): «Alguém se encarregará de institucionalizar o escritor, desde os amigos, (...), até aquelas pessoas ou coisas que abominou e combateu. (...). Servir-se-ão dele, utilizá-lo-ão, homenageá-lo-ão. Sabem que assim o conseguirão calar, amordaçar, reduzir.» (Ruy Belo - Todos os Poemas, Círculo de Leitores, Lisboa, 2000, p. 267).

Sendo assim, não vou falar de Ruy Belo recorrendo a informações biográficas que outrem recolheu, concerteza com finalidades legítimas e tidas por imprescindíveis para o que é costume considerar-se o conhecimento de alguém. Vou antes dar a palavra ao próprio e ouvi-lo com toda a atenção.

Segundo os registos, Ruy Belo nasceu a 27 de Fevereiro de 1933, em S. João da Ribeira, concelho de Rio Maior, e regressou à terra, vítima de um edema pulmonar, precocemente, em 8 de Agosto de 1978, em Monte Abraão, Queluz. Ironia das ironias, nasceu na "Sintra" do Ribatejo e falece em Sintra.

A sua existência foi cheia e intensamente vivida, onde a terra, a vida e a morte, foram por ele reflectidas. Poeta, ensaísta, crítico literário, tradutor, professor, sem se demitir de cidadão universal comprometido e interventivo ou como o próprio refere em ("Nota do Autor" a País Possível) «Este livro (...). É um livro novo, (...), porque a ele, (...) preside índubitavelmente uma unidade temática: a do mal-estar de um homem que, ao longo da vida, tem pagado caro o preço por haver nascido em Portugal; a problemática de uma consciência que sofre as contradições próprias da sociedade em que vive (...); que se vai suicidando lentamente porque essa sociedade o destrói e assassina e o censura e a censura se instala na sua própria consciência. Unidade essa devida ao facto de estes poemas serem uma reflexão sobre o próprio poeta e a realidade que o rodeia, de serem uma forma de intervenção, de compromisso, de luta por um mundo melhor (...) sem, (...) o poeta pactuar com demagogia, com o oportunismo que afinal representa não ver primordialmente na arte criação de beleza, construção de objectos tanto quanto possível belos em si mesmos, (...) a arte é difícil e precisa que, através da educação, da divulgação, da interpretação, quem a receber possa assim e só assim ter acesso a ela e assim se sentir vivo, vertical e assim actuar, intervir.» (ibidem, p. 361.)

A sua essência de poeta não está sublimada ao ponto de se ausentar da vida, em particular da vida concreta, vivida pelos outros homens, Ruy Belo é: «... um homem que sente na poesia a sua mais profunda razão de vida mas se sente, simultaneamente, solidário com os outros homens, que talvez tenham dificuldade em compreendê-lo porque houve quem se empenhasse em que não compreendessem, nem pensassem, porque pensar é realmente um perigo, o maior dos perigos. Pensar, pensar como um homem que nasceu livre e quer morrer livre, leva depois inevitavelmente a actuar, a lutar contra qualquer forma de opressão.» (ibidem, p. 362).

Esta sua declaração, ficou inscrita na sociedade ao intervir activamente nas greves académicas de 1962, na oposição ao regime ditatorial, nas listas da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD), em 1969. O que levou a que as suas actividades fossem vigiadas e condicionadas pela Polícia Internacional e Defesa do Estado (PIDE). Esta sua atitude torna-se ainda mais significativa, tendo em consideração que ainda muito jovem, em 1951, ingressa na Opus Dei que abandona dez anos depois (1961).

Ruy Belo
Como cidadão universal não se alheou do que se passava no planeta, estando atento e, também, interventivo, participativo e solidário, com a luta de cidadãs e cidadãos como deixa claro (em Requiem por Salvador Allende): « obrigada salvador allende obrigada por essa tua vida de cabeça erguida só agora tombada trespassada pela bala que leva uma vida (...). Foi no ano de mil novecentos e setenta (...) que uma coligação (...) popular tomou pela via legal conta do poder no chile legalidade sempre respeitada por ti allende mas por fim desrespeitada pelos militares pelas direitas pela cristã democracia partido bem pouco cristã e pouco democrático Falavas tu dizias a verdade ...» (ibidem, p. 519)

Por último: «No meu país não acontece nada / à terra vai-se pela estrada em frente / Novembro é quanta cor o céu consente / às casas com que o frio abre a praça ...» (ibidem, p. 153).

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